vendredi 18 avril 2008

Peraí, comé quié mezz??

Então, já que o mundo foi definitivamente para as cucuias (ou pras cucuia, que é mais bonito), dei de ler o tal do Samuel Beckett, que é um caboclo tão estranho quanto sua própria obra. Neguim me nasce na Irlanda e fica famoso escrevendo em francês, especialmente por uma peça de teatro onde dois camaradas ficam o tempo todo esperando um terceiro, que nunca chega. Tirante o fato de que esse terceiro seria Deus (Godot), o que é extremamente metafísico, o que me interessou e tem-me interessado no livro que estou lendo, e que nem é o Esperando Godot, mas Molloy, são duas coisas: primeiro, que cada frase do livro é de uma circularidade atordoante. Sério. Nunca tinha ficado tonto lendo um livro, até então. Já tinha ficado tonto dando voltas em meu próprio eixo, ou bebendo, ou jogando vídeo-games de assassinos em primeira pessoa (Wolf-3D, Doom, Duke Nukem etc.). Lendo um livro, foi a primeira vez. Segundo, o Beckett constrói a história através de uma superposição quase insuportável de contrários, o que me faz pensar em como a verdade hoje em dia, se é que ela existe, se traveste no mais das vezes em síntese mal acabada (ou puramente manipulada) de um silogismo categórico manco, em que as premissas são as negações umas das outras. A diferença é que a praia do Samuel Beckett sempre foi o absurdo, enquanto a "verdade" (penso especialmente em alguns blogs jornalísticos ou pseudo-jornalísticos que ando lendo por aí), apesar de tão ou mais absurda que a obra de Beckett, é propalada como se fosse coisa séria, verdadeira. O que não deixa de ser um absurdo, mas as pessoas acreditam.

Um trechinho, para mostrar mais alguma coisa antiga de extrema atualidade:

"C’est (...) une des raisons pour lesquelles j’évite de parler autant que possible. Car je dis toujours ou trop ou trop peu, ce qui me fait de la peine, tellement je suis épris de vérité. Et je ne quitterai pas ce sujet, sur lequel je n’aurai sans doute jamais l’occasion de revenir, avant d’avoir fait la curieuse remarque que voici, qu’il m’arrivait souvent, du temps où je parlais encore, d’avoir trop dit en croyant avoir dit trop peu et d’avoir trop peu dit en croyant avoir dit trop" (S. Beckett, Molloy, Paris, Les Éditions de Minuit, 1951).